Ailton Krenak nos ajuda a embarcar na filosofia de povos indígenas no livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’

Felipeserrao Ferreira
4 min readJun 6, 2021

--

Ilustração: Reprodução/NotaTerapia

O livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ foi lançado em 2019 e tem como autor o filósofo, escritor e ativista indígena Ailton Krenak.

Ailton é um dos principais nomes do movimento indígena. Um momento marcante na história do Brasil redemocratizado, foi quando o ativista fez um discurso na Assembleia Constituinte de 1987, reivindicando direitos para os povos indígenas.

“Os povos indígenas têm um jeito de viver, têm condições fundamentais para sua existência e para a manifestação de sua tradição, de sua vida, de sua cultura que não coloca em risco e nunca colocaram a existência sequer dos animais que vivem ao redor das áreas indígenas, quanto mais de outros seres humanos.”
- Discurso de Ailton em sessão da Assembleia Constituinte de 1987

Enquanto discursava, Ailton passava uma tinta preta de jenipapo em seu rosto, como forma de protesto. Veja:

A luta de Ailton o colocou como um dos principais representantes da resistência indígena no país. Sempre com muito coragem, principalmente em uma época com muito menos tolerância às causas sociais, Krenak não abriu mão dos seus princípios.

Quando nos deparamos com sua produção literária, compreendemos a dimensão de sua luta, que não é uma briga só pelos indígenas, mas por toda a humanidade que se faz presente nessa Terra.

Será que nosso modo de existência nesse mundo já não decretou um fim para nós mesmos?

Filosofia indígena: humanidade x natureza. Para quê essa dualidade?

No livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’, somos apresentados a uma maneira muito sensível de observar o mundo. Logo de cara, Krenak critica a forma como o ocidente inventou uma ideia de humanidade como algo separado da natureza.

“Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista. Do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferente graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos.”
- Trecho do livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’

Ailton apresenta a forma que os indígenas têm de se relacionar com a terra, que é totalmente diferente de como estamos acostumados. De acordo com o escritor, a ideia de ‘humanidade’ acaba por generalizar e invisibilizar as diferenças entre as pessoas, como se ‘humanidade’ fosse uma coisa só. Dessa forma, deixamos de ser cidadãos para nos tornarmos apenas consumidores.

“O homem se descolou da natureza e entende que a mercadoria é uma compensação constante para esse vazio que esses humanos sentem em relação a si mesmo. Como eles não têm uma cosmovisão, não experimentam uma transcendência, eles tem que substituir isso consumindo, consumindo, consumindo…”
- Fala de Krenak em entrevista à UnBTV

Esse divórcio do homem com a natureza é um dos principais motivos de vermos ela apenas como um fonte de exploração. Adiar o fim do mundo não significa continuar agindo da forma que agimos, mas pensar em novas formas de existir nesse mundo, como fala Ailton:

“[…] principalmente quando nós sabemos o dano que nós estamos causando com a nossa maneira de estar aqui. Essa casa comum é um lugar maravilhoso para a gente coabitar com todos os outros seres que existem. Nós somos bem-vindos aqui. A questão é que quem não é bem-vindo, é o nosso modo de estar aqui. Nós estamos do jeito errado aqui na Terra.”
- Fala de Krenak em evento promovido pelo coletivo Selvagem

O mundo pode mudar

Ailton lembra que o fatalismo e conformismo são ferramentas usadas para manter as coisas como estão e nos tirarem a vontade de mudar o mundo para um lugar melhor:

“A ideia de que o mundo está acabando é uma ótima desculpa para a gente não fazer nada. É mais fácil a gente acreditar que o mundo que nós vivemos pode acabar, do que acreditar que somos capazes de introduzir mudanças nesse mundo.”
- Fala de Krenak em evento promovido pelo coletivo Selvagem

Ailton Krenak na Flip 2019. Foto: Folhapress

Saberes ancestrais

O livro ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ sintetiza visões a partir do saber ancestral dos povos originários, que não são homogeneizados, como se costuma abordar, mas apresentam uma pluralidade de caminhos e concepções acerca desse mundo.

Eles estão adiando o fim dos seus mundos desde o momento em que as primeiras caravelas portuguesas atracaram no litoral do Brasil e botaram em prática um verdadeiro projeto de genocídio, epistemicídio e memoricídio.

Em um mundo especialista em criar ausências, surge a necessidade de construirmos novos caminhos, sabendo ouvir o que dizem os rios, as matas, os peixes, podendo assim adiar o fim do mundo.

Texto: João Felipe Serrão

--

--

Felipeserrao Ferreira
Felipeserrao Ferreira

Written by Felipeserrao Ferreira

amazônida, músico e jornalista. diretamente do interior do amazonas para o interior de mim. repórter e colunista da bandnews difusora.

No responses yet